Minha cidade me habita.
Geografia material que desapareceu,
consumida pela pressa,
pelos estetas de um mundo veloz, voraz.
Cinza, muros, viadutos,
famintos de nossas lembranças,
devoram marcos, mapas de nossos afetos.
II
A cidade de Pedro se perdeu
Aonde o cinema do primeiro beijo?
As luzes da noite alegre? As gargalhadas?
O sol que nunca se põe?
Minha cidade me habita.
É quase só memória, pura emoção.
III
Minha cidade me habita,
território de cimento e alma,
corpo de nuvem e carne,
pavimentada de sonhos, ilusão.
Aonde a casa de Luiza?
a que ouvia os segredos,
a que conhecia os poemas, os autores?
Que mapa obscuro sepultou sua morada,
sob esse condomínio, esse viaduto?
Aonde a casa daquele novo amor?
Aonde a música barroca, o beijo terno?
A fuga?
De Bach?
IV
Os olhos não enxergam.
É o coração que desenha a cidade,
a ronda pelos bares da avenida.
As palmeiras que nos espiavam
ainda estão lá.
V
A memória agora é turva,
janelas embaçadas.
A praça sucumbiu. Sob a elevada, sob o ginásio,
foram sepultados os bancos, a sombra acolhedora.
Juras, medos, projetos inscritos no muro derrubado.
Aonde nos perdemos de nós?
VI
Minha cidade me habita.
Caminhávamos sob o tapete
lilás daquele jacarandá.
Havia o perfume dos passos
noturnos entre jardins.
E os jasmins do amado
naquela noite tão fria, tão noite.
V
O mapa da cidade guarda mistérios,
madrigais, gemidos.
Aonde o bar do café da manhã?
A banca de jornal? O sorriso do engraxate?
O bom dia do seu João?
Um carro passa e reflete o olhar,
de mãos dadas... Passa, é outro tempo.
VI
O cine Baltimore e seus cartazes chamativos espiam.
“Beija a garota”, dizem. “Vamos!
De olhos fechados”... Mas moça de família
não se abraça na rua.
Que pena! O suspiro foi engolido pelo shopping,
pela garagem que se ergue ali.
Ela casou-se com outros, tem filho..,
É avó.
VII
Minha cidade me habita.
Mapa que desaparece
E se recria a cada um de meus passos.
Cidade múltipla, tear dos tempos,
de meus avós, minha infância,
das paixões que se foram...
De novos amores que virão?
Túmulo de meus antepassados,
cemitério e perguntas.
Berço do meu filho,
talvez de meus netos.
Os verei?
VIII
A casa se abre,
tão diversa, tão igual,
não me pertence mais,
nem eu a ela.
A rua familiar é a mesma,
e tão outra.
O tempo é também um lugar.
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